quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Vertigens não é coisa de um pássaro

Lá longe vejo um bando, estas aves gostam de andar de um lado para o outro, hoje estão aqui, amanhã estão do outro lado do mundo, sabe-se lá o que trazem nos olhos. Se forem como eu só trazem árvores, nuvens, céu, outras aves, aviões... e pouco mais!
Desde pequeno que tenho um sonho, ser igual aos meus semelhantes, mas infelizmente há algo que me distingue: nunca pousei no chão, faço poucos desvarios nos meus voos mais radicais...
Todas as noites o sonho é o mesmo, olho para baixo e encontro um mundo de coisas novas, mas quando acordo as estrelas continuam ao meu redor e a lua à minha frente.
Hoje acordei disposto a colocar um fim a esta doença, "ter vertigens não é coisa de UM PÁSSARO", já dizia a minha mãe!
Será que eu vou conseguir olhar para baixo?!
Começo a imaginar o que será que existe lá, onde os meus olhos nunca chegaram... imagino flores coloridas, borboletas esvoaçantes, caracóis subindo o tronco da "minha" árvore, uma luz ténue, um cheiro a eucalipto e rosas, coelhos saltitantes, esquilos carregados de nozes, formigas trepando arbustos, bagas doces e deliciosas, e, quem sabe, o amor da minha vida...
Este cenário deslumbrante aguça-me a curiosidade e o desejo de quebrar este medo aumenta em mim.
Fixo as garras ao galho mais resistente que encontro e, de asas ligeiramente abertas, forço os meus olhos em direcção ao chão, uma vertigem faz-me sentar e fechar os olhos. Repouso e volto a sonhar.
Acordo determinado e sem pensar desvio o olhar na vertical em direcção ao longínquo solo.
As flores, borboletas, coelhos, esquilos... dão lugar a bandos, mas não de aves migratórias. Estes bandos não voam, andam, não cantam, gritam, não gozam da liberdade de hoje estar aqui e amanhã estar no outro lado do mundo. Vejo caixas coloridas e lusidias, uma nuvem cinzenta destaca-se das brancas que vivem ao meu redor. Se tomar atenção consigo ouvir um lamento triste a ecoar. Uma criança briga por um rebuçado, uma velhota deita-se na calçada e cobre-se como pode, homens e mulheres correm, uns para lá outros para cá.
Eu estou na "minha" árvore, e onde está afinal a "minha" árvore?
Consigo descer três galhos ainda a medo e com cautela, à minha frente estende-se agora uma enorme estrada repleta de caixas que se movem lentamente umas atrás das outras, ruidos estranhos penetrem pelos meus ouvidos ensurdecendo-me. À minha volta não se vê mais árvores, flores, nem mesmo arbustos.
Olhando aquele cenário desolador pergunto-me onde está o meu sonho? Onde estão as flores coloridas, as borboletas esvoaçantes, os caracóis subindo o tronco da "minha" árvore muito lentamente, os esquilos carregados de nozes...
Triste olhei para cima, entre a folhagem avisto o meu pequeno ninho, o meu refugio, já só penso em voltar para lá. Dou, em vão, mais uma vista de olhos à procura de algum pormenor que coincida com o meu lindo sonho mas aquela realidade que vejo é totalmente vazia de pormenores... abro as asas e, sem hesitar, subo, subo, e regresso ao azul do céu, este azul nunca foi tão belo, a nuvem alta nunca esteve tão branca e a folhagem da "minha árvore está ainda mais verde e brilhante.

escrito a 26 de Julho de 2007

Contributo para o livro "Se eu fosse um animal" da Associação Animais da Quinta - disponivel em breve.